sábado, 31 de outubro de 2009

Fernando Pessoa


Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
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Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
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Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
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Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


08-03-1914

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Pais & Filhos



Descobri que sou prolixa demais para um blog, mas a vida é feita de aprendizados. Talvez essa seja uma boa oportunidade de aprender a ser mais objetiva e, quem sabe até, começar a organizar as idéias para o meu livro.
Já que eu falei em aprendizado, vamos ao tema. Tem gente que não é muito chegado a aprender, não. Eu não sou uma dessas. Adoro aprender coisas novas, desde a prática até a teoria, das coisas mais absurdas e incomuns às mais simples e corriqueiras.
As primeiras lições da vida vêm dos nossos pais. Sejam as que eles nos dão, ou as que vivemos por causa deles. Também tem aquela modalidade do espelho. Mas às vezes a gente tem que usar um espelho convexo, pra poder utilizar as experiências deles, só que ao contrário. Nada, nada, cê acaba quebrando a cara uma dúzia de vezes até sacar que repetir os erros dos nossos pais é uma tremenda burrice.
Demora pra ficha cair, a gente nunca assume que há mais dos nossos pais na nossa índole do que gostaríamos de admitir.
Mas é assim. Por quê? Porque Deus quis. Porque ta nos genes. Porque eles nos criam. Pq pq pq... eu sei lá porque!!!!
O grande pulo do gato é quando a gente “tem” os nossos. Aí é a prova! Não basta aprender a cuidar deles, temos que aprender a lançar fora as coisas ruins da nossa criação, traumas e manias, medos e vícios...Temos que por tudo o que temos e recebemos de bom nessa missão, e abrir mão de defeitos dos quais até gostávamos.
Isso é muito foda, complexo, difícil e desafiador. Mas ao mesmo tempo é emocionante e muito, muito, muito gratificante.
Não precisa esperar o filho da gente entrar na faculdade pra ver os resultados dos nossos esforços!!!
Se forem sinceros, desprendidos e suados os esforços, cada sorriso, abraço cada elogio que o filho recebe já compensa a batalha, já é mais que um troféu... É um presente de Deus, mesmo.
A grande sacada é criá-lo para ser independente, criativo, e que saiba viver nesse nosso mundo louco, afinal, não estaremos aqui a vida toda para ampará-los com as mãos. Querer o filho pra si torna a criança limitada, dependente e presa. Eu não quero um alguém assim! Quero alguém livre, quero que ele me ame, mas sabendo pq ama. Quero que ele seja próximo, não pq a corrente é curta, mas pq ele quer assim!
E no fim, é como disse Herbert Viana: “O importante não é o mundo que deixamos para os nossos filhos e sim, os filhos que deixamos para esse mundo!”
Débora

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Cecília Meireles


Se não houvesse montanhas!
Se não houvesse paredes!
Se o sonho tecesse malhas
e os braços colhessem redes!

Se a noite e o dia passassem
como nuvens, sem cadeias,
e os instantes da memória
fossem vento nas areias!

Se não houvesse saudade, solidão nem despedida...
Se a vida inteira não fosse, além de breve, perdida!
Eu não tinha cavalo de asas,
que morreu sem ter pascigo
E em labirintos se movem
Os fantasmas que persigo.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Fim do mundo

Tenho conversado muito a respeito do "fim dos tempos", com amigos e pessoas próximas. Tenho tentado também ler um pouco mais a respeito.
Não é só crendice Maia, ou especulação de Nostradamus... até Einstein tem sido citado...
É, a parada ta ficando feia...
Máquina do apocalipse, tempestade solar, extinção de abelhas, ataques alienígenas, re-reeleição do Lula, Olimpíadas e Copa do Mundo no Brasil...
E aí? qual vai ser???